sexta-feira, 24 de junho de 2016

Caça aos gatos

O economista neozelandês Gareth Morgan propõe a eliminação dos gatos no país. O motivo: salvar dezenas de espécies de pássaros nativos da extinção


gato

No final do século 19, a pequena Ilha Stephens ainda era um ambiente completamente isolado do resto do mundo. Localizada entre as duas grandes ilhas que formam a Nova Zelândia, sua exuberante natureza permanecia intacta quando o biólogo David Lyall passou a cuidar da manutenção de um farol recém-construído no local, tendo como única companhia um chamado Tibbles. Enquanto o dono trabalhava, o animal começou a explorar o novo ambiente e não demorou a aparecer no farol com pequenos pássaros mortos em sua boca, resultado de caçadas diárias.
Um desses pássaros era diferente de todos que Lyall já havia visto: media cerca de dez centímetros, com coloração verde escura e pontos amarelos pelo corpo. Tratava-se de uma espécie completamente nova, com uma característica rara: era um passarinho incapaz de voar. Isolada durante milhões de anos na ilha, a espécie nunca havia precisado enfrentar um predador – até Tibbles aparecer. O gato levou cerca de dez cadáveres da ave até o farol. Depois disso, ela nunca mais foi vista. A espécie, que ficaria conhecido como cotovia da Ilha Stephens, estava extinta. É o único caso que se tem notícia de toda uma espécie ser extinta pela ação de um único animal: um gato doméstico.
Mais de um século depois, as caçadas de Tibbles ficaram para a história. No entanto, a Nova Zelândia ainda é palco da mesma batalha: um exército de gatos domésticos caça, mata e devora aves raras à beira da extinção. Segundo uma pesquisa publicada na revista Global Change Biology, os felinos já contribuíram para a extinção de nove espécies de pássaros nativos. Hoje, são 33 espécies ameaçadas pelos gatos. Com a alegada intenção de preservar preservar a biodiversidade local, o economista neozelandês Gareth Morgan apareceu com uma proposta radical: eliminar os gatos da ilha. “Temos de tornar a Nova Zelândia um ambiente livre de predadores. Eu defendo um ataque aos gatos que estão soltos pelo país – eles estão destruindo nossa vida selvagem”, afirmou Morgan.
Jogo de gato e rato – Gareth Morgan é um milionário que passou boa parte de sua vida trabalhando em bancos e instituições financeiras da Nova Zelândia – ele já foi considerado a décima pessoa mais importante do país por uma revista local. Em 2006, ele deu início à Morgan Foundation, uma instituição de caridade voltada a ajudar os pobres, incentivar a comunidade local e preservar a natureza do país. O novo alvo da fundação são os gatos.
No início deste ano, o grupo deu início a uma campanha chamada Cats to Go. A premissa é simples: os gatos soltos devem ser banidos do país. Se um habitante da ilha quiser ter um gato, ele deve manter o bichano dentro de casa, castrado e confinado 24 horas por dia. “Se você não for capaz de manter o animal dentro de casa, deve considerar a possibilidade de este ser seu último gato”, diz Morgan.
O economista propõe que cada animal com dono receba um microchip. Se forem vistos na rua, serão devolvidos para sua casa e seu responsável receberá uma multa. Já os gatos de rua, sem nenhum dono ou registro, seriam capturados, enviados para o governo e sacrificados. “Obviamente, eles seriam mortos de maneira absolutamente humana”, afirma. Morgan garante que, desse modo, em apenas uma geração os gatos estariam eliminados do país – e os pássaros livres para viver, se reproduzir e repovoar as florestas locais.
Fera felina – A Nova Zelândia é conhecida por sua biodiversidade única. Isoladas do resto do mundo por imensos oceanos, as ilhas que formam o país foram o ambiente ideal para o surgimento de novas espécies de insetos, pássaros, anfíbios e répteis. Sem ter de enfrentar nenhum tipo de mamífero predador, algumas aves locais, como o kiwi, um dos símbolos nacionais, não chegaram nem a desenvolver a habilidade de voar. Com a chegada dos humanos no século 13, e o consequente fluxo de cães, gatos e ratos, a carnificina foi enorme. Hoje, cerca de 40% das espécies nativas de pássaros estão extintas, e 37% das que sobraram estão em risco de extinção.
Ao mesmo tempo, a Nova Zelândia também é o país com o maior numero de gatos por pessoa no mundo. Mais de 48% das casas têm um ou mais felinos de estimação – ao todo, são mais de 1,4 milhão no país. Para os donos, eles representam uma companhia valorosa. São animais dóceis e carinhosos, que vivem em harmonia com os seres humanos há mais de 9.000 anos. No entanto, longe das vistas humanas, eles se revelam um eficiente predador. O mesmo estudo publicado na revista Global Change Biology diz que eles já contribuíram para 14% das extinções modernas de pássaros, mamíferos e répteis.
Segundo outra pesquisa, publicada nesta semana na revista Nature Communicationsos gatos domésticos são responsáveis pela morte de entre 1,4 e 3,7 bilhões de pássaros todos os anos nos Estados Unidos. O perigo, no entanto, é global: a União Internacional para a Conservação da Natureza considera o gato doméstico uma das cem piores espécies invasivas do mundo.

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