sábado, 26 de março de 2016

O gato do futuro

O gato do futuro


Eles parecem vira-latas, mas brilham no escuro. Eles têm pelos, mas não dão alergia. Eles parecem leopardos, mas são uns docinhos

Texto Gisela Blanco
À primeira vista, eles podem parecer gatinhos normais. Mas não à primeira fungada. Cerca de 5 anos atrás, a companhia americana Allerca partiu em busca daqueles que têm menor concentração de uma proteína chamada Fel d1, a responsável por causar alergias nos humanos. Ao contrário do que se possa imaginar, não são os pelos dos bichanos os maiores vilões dos alérgicos, mas essa proteína que se concentra na saliva, pele e urina dos bichos. 

"O gene que altera a produção da Fel d1 é uma mutação natural, mas foram necessários muitos testes e alta tecnologia para selecionar os gatos certos", diz Simon Brodie, fundador da Allerca. A cada 50 mil gatos, somente um tem essa proteína reduzida. E, para descobrir quais, só fazendo exames de sangue. Passada essa etapa, fica fácil. É só cruzá-los entre si e pronto: estão criados os bichanos antialérgicos. 

A produção é pequena, já que é difícil encontrar os gatos-matriz. Mas a procura é enorme. Em menos de 5 anos, a Allerca produziu e entregou mais de 500 gatinhos, pelos quais os alérgicos amantes de gatos estavam dispostos a pagar um bom preço. Hoje são US$ 7 mil por um gato sem raça definida e US$ 23 mil por um ashera GD, um híbrido semelhante ao savannah. 

 Gato em pele de onça 
As duas raças tão caras acima foram criadas com cruzamentos entre gatos domésticos e felinos selvagens, como o gato-leopardo-asiático, exemplo do bengal. Mais musculosos, corpulentos e ágeis do que os gatos normais, com pelagens que lembram pequenos leopardos. A raça surgiu em 1981, quando 8 gatos híbridos foram criados em laboratório para estudar o vírus da leucemia felina. Terminada a pesquisa, os animais precisavam de um lar. E uma criadora californiana viu neles não só a chance de adotar gatos diferentes mas também de inaugurar uma nova raça. 

O que não é tarefa simples nem barata: para conseguir um gato com pelagem selvagem, mas que não vá atacar o dono, é necessário tempo e vários cruzamentos (veja no boxe da página ao lado como eles são criados). 

Nos últimos anos, eles se popularizaram e chamaram a atenção de quem sonha em ter um animal selvagem dentro de casa. "Só não serão protagonistas dentre os animais domésticos do futuro porque ainda são produzidos em pequena escala", diz Anneliese Hackmann, presidente da World Cat Federation, maior associação de criadores de gatos do mundo.

 Ronronadas pela ciência 
Os gatos também têm nos dado uma mãozinha - ou uma patinha - dentro dos laboratórios. "Eles hoje servem de modelo para muitos estudos avançados. De tentativas de salvar espécies selvagens ameaçadas de extinção a pesquisas de epidemiologia", afirma o biólogo Eduardo Eizirik, especialista em biologia molecular de felinos, da PUC do Rio Grande do Sul. 
Um campo de estudos que evoluiu muito com a ajuda dos gatos foi a genética. Em 2001, numa pesquisa milionária para tentar clonar um cachorro na Universidade do Texas (EUA), o resultado foi... o clone de um gato! Não foi uma tentativa de roubar a cena, mas os felinos simplesmente se mostraram mais fáceis de serem clonados ou geneticamente modificados. Assim nasceu a vira-lata Copy Cat, o primeiro animal doméstico clonado da história, que abriu caminho para um novo e controverso serviço: a clonagem comercial. Hoje os gatos já estão sendo "copiados" a pedido de donos saudosos de seus falecidos gatos originais. Exemplo de Little Nicky, uma maine coon clonada após a morte de uma gata de 17 anos. Fabricar uma gata com características físicas idênticas à "original" custou 50 mil dólares à sua dona. Prova de amor muito criticada por associações de proteção a gatos desabrigados, à espera de adoção. 

Em outros laboratórios, os gatos ainda ajudam na procura pela cura de doenças. Recentemente, na Mayo Clinic, em Rochester (EUA), gatos foram geneticamente modificados para jogar luz sobre uma possível cura para o HIV felino - que tem semelhanças com a forma da doença que atinge humanos. Ganharam genes do macaco reso, capazes de resistir à doença. E da água-viva, recebram um gene que produz uma proteína fosforescente que lhes permite brilhar no escuro e serem monitorados. 

Controvérsias à parte, muita gente gostou da ideia e adoraria levar um gato brilhante para casa. Nada é impossível: basta lembrar como a raça bengal foi criada. Mas para os bichanos brilhantes, por enquanto, suas ronronadas estão restritas às portas dos laboratórios.

Chausie Origem: América do Norte, 1990 

Serengeti Cat Origem: Estados Unidos (Califórnia), 1994 

Savannah Origem: Estados Unidos (Califórnia), 1986 

Bengal Origem: Estados Unidos, 1983
A selva está fresquinha em seus genes: são uma mistura do feroz gato-leopardo-asiático com gatinhos domésticos. Inaugurou o comércio de híbridos e hoje é o mais popular do mundo. No Brasil, custam em média R$ 2 mil. Mas podem ser bem mais caros: em 1998, um bengal foi vendido em Londres pela quantia recorde de 25 mil libras, cerca de R$ 70 mil.
 Gatos ilustres
Blackie o milionário
Em 1988, este gatinho britânico se tornou o mais rico do mundo. A fortuna veio da herança deixada por seu dono, um milionário recluso de Londres. O homem deixou para seu amigo preferido o equivalente a quase R$ 30 milhões, além de uma boa quantia em doações para abrigos de gatos de rua. 

Snowball o dedo-duro 
Ao matar a namorada, o canadense Douglas Beamish deixou um rastro na cena do crime: 27 pelos de seu gato Snowball. O material encontrado pelos policiais foi identificado por exames de DNA e serviu de prova da acusação. O caso, de 1994, foi o primeiro a usar exames de gatos para fins judiciais. 

Como nascem os híbridos 
Diferentemente do que aprendemos na escola, cruzamentos entre espécies distintas existem na natureza e nem sempre geram indivíduos estéreis 

Procurando bem, é possível encontrar na selva ligres e tigreões (cruzamentos entre tigres e leões). "Nos gatos, esses cruzamentos são ainda mais simples, já que o gato doméstico não é uma espécie que evoluiu naturalmente, mas uma subespécie de um gato selvagem", diz o biólogo Eduardo Eizirik. Para cruzar um gato-leopardo-asiático com um gato doméstico, é preciso primeiro escolher aqueles menos ariscos. Alguns dos primeiros filhotes podem nascer estéreis. Os férteis são acasalados novamente com gatos domésticos ou outros híbridos, e assim vão diluindo seus genes. Geralmente aqueles com pelagem que mais remete ao gato selvagem são os escolhidos para continuar a linhagem. Quanto mais próximo do cruzamento inicial, mais caro - e provavelmente mais arisco - é o gato.

Para saber mais

O pulo do gato

O pulo do gato


Entre o gato selvagem que chegou pela primeira vez perto de um humano e o gatão peludo e preguiçoso esparramado no seu sofá, existe um longo caminho. Ou será que não?

Texto Barbara Axt
Há quem diga que nem domesticados de verdade eles são. O que importa é que tomamos esse bicho como companheiro, o espalhamos pelo mundo e criamos diversas raças. Para saber como isso aconteceu, se é que aconteceu, vamos lá para o começo da história. 

Ninguém sabe exatamente quando os gatos deixaram de ser animais selvagens e passaram a viver entre nós. "As mudanças pelas quais o gato passou ao ser domesticado são sutis, como a cor da pelagem e o comportamento, coisas que não são possíveis de descobrir nos vestígios arqueológicos", explica Melinda Zeder, arqueobióloga do Museu Nacional de História Natural dos EUA. "Já o esqueleto do cachorro é bastante diferente do esqueleto do lobo. Assim dá para saber exatamente quando essa transição aconteceu", diz. 

O que se sabe é que a domesticação ocorreu apenas uma vez. Pode ter acontecido no norte África, na região do Egito, 9 mil anos atrás. Ou, segundo uma pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra, que em 2007 analisou o DNA mitocondrial de quase mil gatos, essa transição entre a selva e a vida doméstica pode ter acontecido há 10 mil anos no Crescente Fértil, região entre Israel e Iraque, local das primeiras aldeias fixas. E então, na companhia dos humanos, os gatos foram parar no resto do mundo (veja o mapa na página 8). 

A maior diferença entre os gatos selvagens e os domésticos é o intestino mais longo, que permite uma dieta menos carnívora. E a pelagem, provavelmente associada a uma seleção natural pelos animais menos agressivos - há suspeitas de que os gatos rajados (pelagem chamada "agouti") seriam mais ariscos. Segundo o cientista Carlos Driscoll, um dos autores da pesquisa, ainda assim, os atuais gatos domésticos não estão muito distantes dos seus primos selvagens. "Do cerca de 1 bilhão de gatos domésticos no mundo, 97% são vira-latas, o que significa que eles se reproduzem sem nenhuma seleção de parceiros feita pelos humanos. E a maior parte deles não depende dos humanos para conseguir abrigo ou comida", afirma. Por isso, vez ou outra um deles resolve voltar para o mato e viver por conta própria - os chamados gatos ferais, que costumam perder também a docilidade. 

Isso explica como algumas raças nasceram naturalmente. De volta à natureza, mas a ambientes que nunca tinham habitados, os gatos se diversificaram pelo bom e velho processo de seleção natural. Aqueles de lugares frios, por exemplo, se tornaram maiores e corpulentos, como o pelo-curto-britânico, enquanto os que foram para lugares quentes se tornaram longilíneos, como o siamês. "Os gatos conhecidos como orientais maximizam a superfície do corpo para dissipar o calor, ao contrário do que acontece com o norueguês-da-floresta, que precisa retê-lo o máximo possível", afirma o veterinário inglês Bruce Fogle em seu guia ilustrado de gatos. Outras características foram perpetuadas por indivíduos isolados em certas regiões. A ausência de rabo, por exemplo, é resultado de uma mutação genética que aparece de vez em quando entre gatos e acaba se perdendo à medida que eles cruzam com gatos normais. Mas, na população isolada da ilha de Man, no mar da Irlanda, a mutação foi mantida, se disseminou e ficou famosa. Nasciam assim os manx. Da mesma forma, na Nova Zelândia, gatos com um dedo a mais em cada pata deram origem à raça antipodean clippercat.

Raças inventadas 
Ainda que as primeiras raças de gato tenham surgido naturalmente, nos últimos 200 anos essa seleção passou a ser artificial e bem cuidadosa. Virou um hobby e um negócio lucrativo. Em alguns casos, a seleção artificial acentua características como uma cor ou um padrão de pelo, ou faz o gato ficar mais longilíneo, por exemplo. Em outros, o cruzamento serve para transformar uma mutação genética em raça, como a orelha "dobrada" do scottish fold, o pelo crespo dos rex e a total falta deles nos sphynx. Na natureza, essas mutações provavelmente desapareceriam sozinhas - seriam diluídas em cruzamentos com gatos normais. Mas os homens perceberam como dar uma mãozinha para que elas se perpetuem. Basta identificar aquele gatinho que nasceu diferentão da ninhada e cruzá-lo com outros com características parecidas - ou com gatos normais - e torcer para que os genes que as conferem sejam dominantes. 

Só não mexemos mais na constituição dos gatos, a exemplo do que fizemos com os cães, porque a própria natureza não deixou. "A variação de formas é pequena porque o genoma dos gatos é muito mais estável do que o dos homens, por exemplo", afirma Eduardo Eizirik, especialista em biologia molecular de felinos, da PUC-RS. Por isso, tentativas de cruzamentos que buscavam criar animais muito maiores ou menores do que a média, como acontece com os cachorros, não foram bem-sucedidas. Mesmo assim, seguimos tentando. 

O máximo que se conseguiu no sentido de criar um minigato foi o polêmico munchkin, que na verdade é um gato anão, com os ossos das pernas encurtados por uma mutação. Já os bichinhos vendidos como teacups, que supostamente são gatos em miniatura, não são mutações nem resultado de cruzamentos. Na maioria dos casos, não passam de gatinhos prematuros ou com problemas de desenvolvimento e por isso não são reconhecidos por nenhuma associação de criadores de gatos. 

Esses cruzamentos, aliás, também podem perpetuar traços perigosos à saúde dos bichos. É o caso da raça mais popular do mundo, o persa. A cara bem achatada, conquistada depois de milhares de cruzamentos, atrapalha sua respiração - na Europa, certos criadores estão "voltando atrás" no padrão da raça e criando persas com focinhos um pouco mais longos. O gene que causa essa mudança anatômica pode ainda trazer danos sérios à saúde. Como acontece com o gene que faz a orelha do scottish fold ficar daquele jeito. Ele aumenta as chances de malformações ósseas, problemas renais e inclusive cardíacos. Gatos da raça manx, sem rabo, também têm uma alta ocorrência de artrite, problemas digestivos e ainda intercorrências na córnea. 

Mas nem só a aparência importa. Alguns cruzamentos foram feitos em busca de gatos com temperamento atípico - mais uma vez, como acontece com os cães. Como a controversa história do ragdoll. A raça nasceu em 1960 nos Estados Unidos depois que uma gata branca e felpuda chamada Josephine foi atropelada por um carro. Sua dona, a americana Ann Baker, passou a jurar que seus filhotes nasciam diferentes: demonstravam poucos instintos felinos. Não caçavam ou protegiam seu território e se derretiam no colo de qualquer pessoa como bonecas de pano (em inglês, ragdoll). Para perpetuar essas características, Ann resolveu cruzar Josephine com um de seus filhotes, de aparência birmanesa. Acabou criando uma das raças mais queridas hoje em dia.

Gatos ilustres
Jock a herança de Churchill Ele era só um gato laranja, mas seu dono, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Jock sempre o acompanhava. Estava até em sua cama na hora da morte. Em testamento, o político britânico deixou sua casa em Chartwell para o governo, com uma exigência: sempre ter um gato laranja morando nela.
Tee Cee o vidente 
O americano Michael Edmonds sofre de epilepsia, doença com ataques imprevisíveis - pelo menos para nós, humanos. Em 2009, percebeu que seu gato Tee Cee passa a lhe encarar pouco antes de cada ataque e corre para os pés de sua mulher, tentando avisar algo. Ninguém sabe como ele faz isso.

Tommy o socorrista 
Em 2006, o deficiente físico americano Gary Rosheisen caiu de sua cadeira de rodas e ficou imóvel no chão de casa. Mesmo assim, minutos depois os bombeiros receberam uma ligação silenciosa. Quem discou foi Tommy. Treinado pelo dono, o gato aprendeu a apertar o botão de emergência do telefone.

Todas as cores 
Tamanho e formato de corpo variam pouco. Mas a seleção natural deu aos gatos cores que vão do azul ao pêssego 

Cingapura 
Origem: Cingapura e EUA, 1975 

Tonquinês 
Origem: EUA e Canadá, 1960 

Havana Brown 
Origem: Inglaterra e EUA, 1950 

Russian Blue 
Origem: Rússia, antes do séc. 18
Apesar do nome, eles são prateados e não azuis. Esses bichos brilhantes, que mais parecem um desenho animado, eram apenas gatos comuns na Rússia. Quando foram levados para a Inglaterra no século 19, fizeram tanto sucesso que se tornaram uma raça.

A força dos mutantes 
Eles têm genes excêntricos, que sobreviveram naturalmente ou encontraram alguém disposto a criar uma nova raça.

Manx 
Origem: Ilha de Man, antes de 1700 

Scottish Fold Origem: Escócia, 1961 

Devon Rex Origem: Reino Unido, 1960 

Laperm Origem: Estados Unidos, 1982 

Sphynx Origem: Canadá, 1978 
Alguém resolveu pegar um gato com uma mutação que o fazia ficar pelado e cruzar com outros até criar uma raça nova. Mas, ao contrário do que parece, o sphynx não é totalmente careca. Ele na verdade tem pelos bem finos e curtos - mais ou menos como a pele de um pêssego.
Unchkin Origem: EUA, anos 1980 
O nome é uma referência aos anões do filme O Mágico de Oz. Esses gatinhos são na verdade anões e sofrem de acondroplasia. Há quem considere antiético o cruzamento de gatos para a manutenção de um problema genético, podendo causar problemas de coluna e quadris (como acontece com algumas raças de cães, como o dachshund). Por isso, vários países não reconhecem o munchkin como raça.
Ragdoll 
Origem: Canadá, 1978
Para saber mais Guia Ilustrado de Gatos, Brue Fogle, Zahar, 2006.

Os 7 maiores mitos sobre os gatos

Os 7 maiores mitos sobre os gatos

Eles são eternos injustiçados. A lista de difamações vai do azar ao medo de água. Eis aqui a chance de derrubar alguns desses mitos.

1. Gatos odeiam água 
Depende do gato. Algumas raças, como o maine coon e o turkish van, adoram. Tanto que na falta de um rio ou lago, se enfiam debaixo de torneiras, dentro de banheiras e até em vasos sanitários. Para outras raças, é tudo questão de costume. "É bom lembrar que são animais muito higiênicos e mesmo os que não gostam de água estão sempre se lambendo para ficar limpos", afirma a veterinária Tânia Fernandes, professora da Universidade Metodista de São Paulo.


2. Eles enxergam no escuro 
Quase. Eles têm uma visão noturna 10 vezes melhor do que a dos humanos. Mas ainda é preciso haver alguma luz para que uma camada extra de células que existe nos olhos dos gatos possa refleti-la de volta à retina, aumentando a visão.


3. Gato preto dá azar 
Essa é uma lenda contraditória. Em boa parte do Ocidente, a partir da Idade Média, surgiu a crença de que cruzar com um na rua era azar na certa. No Japão e no Reino Unido, é considerado um bom sinal. Pelo menos para os gatos, pode ser mesmo muita sorte: uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde dos EUA sugere que o gene que dá a coloração preta ao animal também seria responsável por torná-lo imune ao vírus do HIV felino.


4. Eles não podem ser adestrados 
Apesar da fama de insubordinados, podem sim. "Com um pouco de paciência e as técnicas certas, gatos podem aprender os mesmos truques que os cachorros", afirma o adestrador Gustavo Campelo, de São Paulo. Na Rússia, há 30 anos, o Teatro dos Gatos de Moscou conta com mais de 120 gatos que fazem acrobacias, andam em corda bamba e equilibram bolas no nariz.


5. Apegam-se à casa e não aos donos 
Gatos têm um forte senso territorial, mas também sabem muito bem quem cuida deles. Em 1952, uma gata persa andou mais de 2.400 quilômetros pelos Estados Unidos até encontrar seus donos, que se mudaram da Califórnia para Oklahoma. 


6. Gatos tem 7 vidas 
Bem que eles gostariam. Em alguns países no Hemisfério Norte, a lenda diz que eles tem até 9. Mas a verdade é que tem uma só, que dura em média 15 anos para gatos domésticos e apenas 2 para os de rua. 


7. Sempre caem em pé 
Esse é um dos mitos que deram origem à história acima. Mas a queda precisa ser de uma distância mínima de 60 centímetros do chão para que eles consigam se virar a tempo. E se for de uma altura muito grande, mesmo caindo sobre as 4 patas, podem se machucar.

SEM MANDA-CHUVA

SEM MANDA-CHUVA

Nenhum estudo se aprofundou ainda na dinâmica social entre gatos domésticos. Ainda que os donos falem em líder do grupo ou macho alfa, entre os felinos não há hierarquia rígida. Não há papéis definidos. Gatos dominantes em um contexto são submissos em outros. Enquanto um gato tem privilégios sobre a comida, outro pode ter preferência por um canto do sofá - canto que pode ter outro dono, dependendo do horário. Em outras vezes, parece não haver acordo claro: ganha preferência quem chega primeiro - ou quem vence a briga.

Essa interação negociada é novidade na evolução desses caçadores solitários, e costuma deixá-los estressados e doentes. "Os donos acham que quanto mais gatos, melhor. Mas não", diz Daniela, a veterinária da USP. "Um macho até é capaz de formar uma aliança com uma parente próxima. Mas, quando um grande número de gatos vive junto, todos se tornam mais agressivos." Ausência de líderes não significa ausência de grupos: o dono pode achar que tem dez gatos, quando na verdade possui quatro de uma facção e seis de outra.

Apesar das descobertas recentes, o que não falta é coisa para aprender. Ainda não se sabe por que são loucos por catnip, aquela ervinha aromática e medicinal que os faz entrar em transe. Nem porque a fêmea move seus recém-nascidos um a um, com todo o zelo, mesmo prestes a abandoná-los. O ronronar, vibração sonora produzida na laringe, é outro mistério desses felinos. Também não há resposta definitiva para a mania de querer abrir portas. Nem para o código presente na maneira como movimentam suas caudas - sabe-se, no entanto, que mantê-las erguidas costuma ser um sinal amistoso.
Será que no futuro nossa relação será mais próxima? "Até agora, eles evoluíram apenas o suficiente para a amistosidade. São capazes de viver conosco", diz Bradshaw. "Nas próximas décadas, provavelmente chegarão à amizade." Importante: não é verdade uma notícia que correu o mundo ano passado, dizendo que gatos não gostam de contato físico. Daniela participou da pesquisa comandada pelo veterinário inglês David Mills e esclarece: a maioria dos gatos gosta de carinho do dono. Abrace o seu para comemorar. Mas com cuidado.

Sete vidas

[10.000 a.C.]

Empregam gatos para proteger seus estoques contra ratos.

[3.500 a.C.]

Trabalho reconhecido: gatos são adorados no Antigo Egito.

[200]

O Império Romano espalha gatos pela Europa.

[1200]

Considerados satânicos, são perseguidos. População de ratos explode e vem a peste negra.

[1850]

Após séculos demonizados, começam a se popularizar como animais de estimação.

[1950]

Criação de novas raças.

[1985]



Superam a população de cães nos EUA. Em 2022, eles devem superar cães no Brasil.

Sentidos felinos


1. Sua AUDIÇÃO é muito mais ampla que a nossa. O gato escuta o que, por estar além da capacidade humana, denominamos infra e ultrassom.

2. Graças a uma superfície reflexiva atrás da retina, têm VISÃO excelente no escuro. Mas só enxergam tons de duas cores: azul e amarelo.

3. O TATO dos gatos é tão poderoso que aciona um sentido adicional: a vibração de seus bigodes gera um radar de curto alcance.

4. Seu OLFATO é hiperdesenvolvido: são capazes de identificar a distância uma série de cheiros que surjam simultaneamente.
5. Os gatos não precisam nem gostam de vegetais: seu PALADAR evoluiu para ser 100% carnívoro.

Como os gatos veem o mundo

Como os gatos veem o mundo

Para eles, o dono é líder do bando, todo dia é de caça e cada sala é uma selva. Enxergue o mundo com olhos felinos: em azul e amarelo. E sempre alerta





OS HOMENS PENSARAM que haviam domesticado os gatos.Como eles mantinham os ratos longe, nós lhes demos rações. E depois lares. Nomes. Camas. Banhos. Tosas. Brinquedos. Arranhadores. Colos. Cafunés. Capas siliconadas para unhas. Estima-se que hoje existam 600 milhões de gatos vivendo com humanos, contra 800 milhões de cachorros - mas a distância do campeão para o vice vem diminuindo. Desde 1985, os felinos são os animais mais numerosos dos EUA, e o Brasil segue o mesmo rumo. Na internet, então, eles são os reis, seja ilustrando frases bizarras ou protagonizando vídeos fofos.

Diante de tanto investimento financeiro e emocional, muitos veem em seus bichanos características humanas. Pois se enganam. Diferente dos cachorros, que querem ser gente, os gatos não querem ser outra coisa. E acham que a gente é que é gato: aos olhos felinos, seus donos são gigantes amáveis da mesma espécie, responsáveis por sustentá-los e protegê-los.
como o gato vê a casa

Protegê-los do quê? Para o gato, cada sala é uma selva - que ele só é capaz de enxergar em dois tons: amarelo e azul. Por trás de cada cortina e por baixo de cada almofada pode haver uma ameaça. Nascem, morrem e geram predadores. "Ele descende de um felino territorial e solitário que aceitou a coexistência com outros gatos e ainda está se adaptando à vida de animal de estimação", diz John Bradshaw, autor de Catsense - The Feline Enigma Revealed ("Sentido de gato, o enigma felino revelado"), best-seller de 2013 sem edição brasileira.

Ou seja, o que ratos sabiam e pufes suspeitavam, a ciência agora confirma: o gato doméstico ainda é selvagem. Essa é uma descoberta fundamental para começar a decifrar o seu comportamento, sua personalidade e sua complexa relação com o homem - um relacionamento que começou por interesse.


DOMÉSTICO NAQUELAS
O gato foi o primeiro vigia de estoque. Foi assim: há 10 mil anos, as primeiras colheitas atraíram ratos pela primeira vez. Para sorte dos primeiros agricultores, no rastro dos roedores veio seu predador, o Felis silvestris. O gato selvagem era um bicho meio arisco, mas mantinha os ratos longe dos celeiros, e o contrato foi fechado. Aos poucos, a relação deixou de ser somente profissional: em 9500 a.C., um homem e seu gato foram enterrados juntos no Chipre. E, após milênios de bem-bom, criamos uma subespécie, Felis silvestris catus, o chamado gato doméstico. Que não é tão doméstico assim. O autor de Catsense explica: "Para ser eficaz contra os ratos, os gatos precisaram manter muitos de seus instintos selvagens."

Caçar ainda é parte fundamental da vida de qualquer gato, mesmo os de apartamento. Quando filhotes, as brincadeiras, além de engraçadinhas, estão ligadas ao desenvolvimento de habilidades de caça, como velocidade e precisão do golpe. Seus cinco sentidos [ver quadro na página 51] evoluíram para torná-los uma peluda maquininha de matar. Tão eficiente que alguns até acusam os felinos pelo desaparecimento de pássaros e roedores. (Calma, gatófilos: a maioria dos ambientalistas diz que mudanças no clima estão por trás dessas extinções.)

O encontro com outros gatos e o acesso à rua contribuem para que os gatos continuem meio ferozes. Mas o fator mais importante para a manutenção da selvageria é justamente uma prática para deixar gatos mais calmos: a castração. Quando castramos os gatos domésticos antes que eles se reproduzam, estamos tirando do jogo justamente os exemplares mais dóceis e amigáveis. Resultado: 85% dos acasalamentos são organizados pelos próprios felinos, entre gatas domésticas e gatos selvagens. Nossa seleção artificial parcial perpetua as características mais agressivas da espécie. No mínimo, perpetua fotos compartilhadas por amigos com a mensagem "gatinhos lindos precisando de um lar".

MANHAS E MIADOS

Qualquer um acostumado a observar gatos diariamente sabe: eles são metódicos. Tomam banho da mesma maneira, escolhem o mesmo lugar para dormir e desenvolvem hábitos repetitivos. 
De acordo com pesquisas recentes: gatos têm personalidades definidas.

Um estudo de 2008 da Universidade de Central Missouri, realizado com 196 donos de gatos, apontou quatro grandes perfis: sociáveis, afetuosos, mal-humorados e tímidos. O gênero não se associa a nenhum componente: machos e fêmeas podem entrar em qualquer categoria. A idade sim: gatos idosos são mais introvertidos e menos curiosos.

Mas também pode ser porque gatos e humanos influenciem uns aos outros. Contra o estereótipo que mostra os felinos desinteressados por seus donos, um grupo de veterinários mexicanos mostrou, em 2007, que o apego entre humanos e seus bichanos é parecido com o que se vê com crianças pequenas. Na companhia de um estranho, miam menos e passam mais tempo em alerta, próximos da porta e prontos para uma fuga. E ficam mais relaxados, passeadores e brincalhões com seus donos.

Gatos aprendem até a sincronizar seus hábitos com os dos humanos. Um estudo da Universidade de Messina, na Itália, mostrou que, com o tempo, os padrões de alimentação, atividade e sono ficam parecidos com os dos donos. Até mesmo a hora de ir ao banheiro se tornou a mesma para os dois. Já os gatos criados livres mantêm os hábitos noturnos. "Há gatos extremamente apegados aos seus donos, que passam o tempo todo ao seu lado, como uma sombra felina", diz Daniela Ramos, especialista em comportamento animal da USP. "Depois de um período de convivência intensa, a ausência do dono pode trazer sintomas de ansiedade."

Isso, claro, sem nunca atender quando é chamado. O curioso é que uma pesquisa da Universidade de Tóquio constatou que eles reconhecem a voz do dono, mesmo quando está misturada à de outras pessoas. Mas poucos obedecem. "Gatos, diferentemente de cães, não foram domesticados para obedecer ordens", explica Atsuko Saito, um dos autores do estudo. "Eles preferem ter a iniciativa no relacionamento com humanos." O que eles ganham com isso? Não sabemos. Mas, se a relação com o homem ainda é nebulosa, entre eles é que a coisa complica. Em grupo, todos os gatos são pardos.
Como o gato vê a casa